O rapaz se drogou. Num ímpeto de descontrole e irracionalidade, assassinou a facadas os pais adotivos. Partiu dessa forma trágica o bispo da diocese de Recife, da Igreja Anglicana do Cone Sul da América, Dom Robinson Cavalcanti – sacerdote, ativista, articulista – junto com sua esposa, Miriam. Na entrega do Prêmio Areté de excelência em literatura deste ano ele recebeu uma homenagem póstuma. Sim, muitos se lembrarão dele. Muitos falarão de seus escritos, de suas polêmicas, de suas atitudes. Mas não ouço ninguém falar sobre o que o assassino está sentindo, pensando e vivendo hoje. Ele deixou de ser humano, agora é apenas “o assassino”. “O pecador”. Um bicho.
Não quero justificar seu ato bárbaro e desumano. Ele errou feio. Pecou terrivelmente. Só que, passado o efeito da droga, quando a realidade despenca na sua cabeça com o peso do mundo, como você convive com o erro? Já imaginou como o rapaz (foto) viverá o resto da vida, sabendo, agora lúcido e sóbrio, que ele chacinou o homem e a mulher que lhe deram amor, estudo, teto, futuro, carinho, agasalho, uma vida? Você ao menos se lembra do nome dele?
Duvido.
Não, ninguém quer saber de quem errou. Crucifica-o!!!, bradamos com sede de sangue e vingança. Mas não tenho como medir as consequências com que esse ser humano terá de conviver o resto de sua vida pelo erro que cometeu. E tenho certeza absoluta que, se ainda não pensou, o filho adotivo e assassino de Dom Robinson Cavalcanti um dia pensará – imerso em tristeza, arrependimento e sofrimento – aquilo que todo mundo que erra pensa: “Ah, se eu pudesse voltar atrás…”.
Todos nós erramos. Em escala maior ou menor erramos. A maioria de nós não mata os pais, é verdade. Mas mata amizades, oportunidades, possibilidades, consciências… por causa de erros que cometeu. “Ah, se eu pudesse voltar atrás…”. Frase que suponho que passou pela mente de muitos homens e mulheres descritos na Bíblia.
Negar Jesus três vezes. Trair o bom Mestre com um beijo. Perseguir cristãos antes de conhecer Cristo na estrada de Damasco. Mandar à Cruz um inocente com medo da reação da multidão e ainda lavar as mãos. Mandar cortar a cabeça de João Batista porque os olhares ao redor cobravam o cumprimento de uma promessa feita. Dizer que Sara era irmã e não esposa com medo de faraó. Vender José como escravo. Murmurar contra Deus no deserto. Tomar Bateseba. Matar Urias. Pesar a mão sobre o povo por ouvir o conselho dos jovens e não o dos anciãos. Sentir inveja por Davi receber a aclamação do povo e tentar matá-lo por pura vaidade. Erros. Erros. E mais erros. A Bíblia está repleta deles, desde Gênesis, quando Adão e Eva comem do fruto, até Apocalipse, quando João se prostra perante um anjo. E nós?
Nós em nada somos diferentes. Erramos. O lamentável é que muitas vezes erramos sabendo que estamos errando e ainda assim persistimos no erro. Que, aliás, é a forma que todo cristão erra. Por alguma razão que depois nos parece incompreensível. Mas a verdade é que há uma força descomunal dentro de cada um de nós que nos impulsiona para o erro. Seu nome é pecado. E isso ocorre com não cristãos mas também com cristãos. Senão ao sermos convertidos ao Evangelho nos tornaríamos automaticamente inerrantes. Mas não. A natureza adâmica e pecaminosa grita dentro de nosso peito: “Não tenha fé!”. “Não segure a língua!”. “Não diga não!”. E, assim, mesmo sendo habitação do Espírito Santo, continuamos errando. E Deus se entristece. “Ah, se eu pudesse voltar atrás…”. Quando Jó conversa com os seus amigos, afirma que ele e tão somente ele é responsável por erros que cria ter cometido: “Embora haja eu, na verdade, errado, comigo ficará o meu erro.” (Jó 19.4). É extremamente doloroso reconhecer isso.
O erro do cristão tem duas origens básicas: distanciamento das verdades bíblicas e falta de fé que o Deus que criou os céus e a terra é poderoso para fazer o impossível se tornar possível. Isso fica claro nas palavras de Jesus: “Não provém o vosso erro de não conhecerdes as Escrituras, nem o poder de Deus?” (Mc 12.24). Em outras palavras, das duas uma: ou esquecemos o que Deus é capaz de realizar ou ignoramos o que Deus é capaz de realizar. Damos-lhe as costas. Tentamos resolver por nós mesmos e deixamos a fé sem a qual é impossível agradar Deus esquecida num canto empoeirado qualquer de nossa religiosidade. “Fé? É uma palavra bonita mas não funciona para mim”. E aí…erro. “A Bíblia diz isso? Mas vou fazer do meu jeito, que é mais garantido”. Cegos se orgulhando de sua cegueira. Erro. “Ah, se eu pudesse voltar atrás…”.
Só para você saber, o nome dele é Eduardo – o filho e assassino de Dom Robinson Cavalcanti e Miriam. Não sinto raiva dele: sinto compaixão. Uma alma que será prisioneira pelo resto da vida não de barras e muros, mas das consequências do erro que cometeu. Assim como tenho pena e misericórdia de quem erra sem se dar conta de que está errando. “Não tem mais como voltar atrás”, “Não consegui me segurar”, “Não tinha outro jeito”. Erros. E depois: “Ah, se eu pudesse voltar atrás…”.
Eduardo. Olhe-se no espelho e saiba que este é teu nome.
Mas há um porém. Tudo o que escrevi até aqui tem um único objetivo: lembrá-lo, meu irmão, minha irmã, de que, se você está prestes a cometer um erro e sabe que é um erro… você ainda pode voltar atrás.
Paz a todos vocês que estão em Cristo,
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