R. C. Sproul27 de Março de 2014 - Ética
O Dr. John Gerstner, meu estimado mentor, certamente levava jeito para ganhar a minha atenção e me ajudar a pensar de forma mais clara. Eu ainda me lembro quando disse a ele que eu pensava que o problema do mal era irresolúvel. Tendo notado que os melhores apologetas e teólogos na história da igreja não responderam todas as questões levantadas pela existência do mal neste mundo, eu disse a ele que ninguém jamais resolveria o problema deste lado da eternidade. Ele se virou e me repreendeu: “Como você sabe que o problema do mal nunca será resolvido”, ele perguntou. “Talvez você ou outro pensador seja aquele que Deus apontou para resolver essa questão”.
Com o devido respeito ao Dr. Gerstner, eu acho que ele superestimava os seus alunos. Eu não mudei a minha opinião sobre o problema do mal desde aquela conversa. Nos muitos anos em que ensinei filosofia, apologética e teologia, e nas muitas conversas que tive com pessoas feridas, uma resposta completa para o problema do mal permanece evasiva. Quando muito, eventos recentes fazem o problema parecer mais crítico. Só no ano de 2012, lidamos com um ataque terrorista na Maratona de Boston e com o atirador da Sandy Hook Elementary School em Connecticut. O Furacão Sandy matou quase 300 pessoas no nordeste dos Estados Unidos. Poderíamos também mencionar as centenas de milhares de pessoas que morreram nos tsunamis em 2004 e 2011. A lista é quase infinita.
Colocar um rosto humano no mal pode torná-lo mais inteligível — não é surpresa que pessoas más façam coisas más. A violência da natureza pode ser ainda mais perturbadora. Como lidamos com desastres naturais que não respeitam pessoas, mas de forma indiscriminada tiram vidas de idosos, bebês e deficientes, além de crianças e adultos? “Como”, muitas pessoas — até cristãos — perguntam, “pode um Deus bom permitir que tais coisas aconteçam?”.
Não há falta de especulação na tentativa de responder a essas questões. Indivíduos bem intencionados sugeriram incontáveis teodicéias — tentativas de justificar e vindicar Deus devido à presença do mal no mundo. Em seu livro publicado no século XVIII, Theodicy, o filósofo Gottfried Leibniz tentou explicar o mal sugerindo que nós vivemos no “melhor de todos os mundos possíveis”. Outros pensadores disseram que o mal é necessário para nos tornar pessoas virtuosas ou para preservar a realidade do livre arbítrio. Tais respostas falham em satisfazer o problema do mal, e normalmente sacrificam a soberania de Deus no processo.
Não penso que Deus nos revelou uma resposta plena e definitiva para o problema do mal e do sofrimento. Contudo, isso não significa que ele tem estado em silêncio sobre a questão. A Escritura nos dá sim algumas diretrizes úteis:
Primeiro, o mal não é uma ilusão — ele é muito real. Algumas religiões ensinam que o mal é irreal, mas a Bíblia nunca minimiza a verdade da miséria e da dor. Além do mais, os personagens bíblicos nos mostram que uma indiferença estoica ao mal não é a resposta correta. Eles rasgam suas vestes, oferecem lamentações a Deus, choram lágrimas reais. Nosso Salvador caminhou a Via Dolorosa como o Homem de Dores que conheceu nosso sofrimento.
Segundo, Deus não é caprichoso ou arbitrário. Ele não age irracionalmente, nem demonstra ou permite violência sem propósito. Isso não significa que sempre sabemos o motivo de um mal em particular ocorrer em determinado lugar ou momento. Por não sabermos todas as razões por trás de cada mal em específico, não podemos fazer fáceis conexões entre a culpa e o desastre, entre o pecado de uma pessoa e o mal que recai sobre ela. Textos que incluem o livro de Jó e João 9 nos impedem de declarar universalmente que a dor é uma punição por pecados específicos. Isso significa que quando desastres inexplicáveis ocorrem, devemos dizer com Martinho Lutero: “Que Deus seja Deus”. O clamor de Jó “o SENHOR o deu e o SENHOR o tomou; bendito seja o nome do SENHOR!” (Jó 1.21) não foi uma demonstração superficial de piedade ou negação da dor. Pelo contrário, Jó mordeu seus lábios e cerrou seu estômago enquanto se manteve fiel diante da tragédia e do sofrimento absoluto. Jó sabia quem Deus era, e se recusou a amaldiçoá-lo.
Terceiro, este não é o melhor de todos os mundos possíveis. Este mundo é caído. O sofrimento só está aqui porque o pecado desfigurou uma criação que, do contrário, seria boa. É claro que isso não significa que todo o sofrimento esteja ligado a um pecado específico ou que possamos fazer uma correlação, par a par, entre o nível do pecado de uma pessoa e o grau do seu sofrimento. Contudo, o sofrimento pertence à esfera mais abrangente do pecado que as pessoas encontram aqui nesta terra. Enquanto a criação sofre com a violência da humanidade, ela devolve essa violência. A Bíblia nos diz que a criação se enfurece com seus mestres e exploradores humanos. Em vez de administrar a terra sabiamente e povoá-la, nós a exploramos e a poluímos. Até que Cristo retorne com os novos céus e a nova terra, lidaremos com tempestades, terremotos e enchentes. Até lá, ansiaremos por uma criação renovada.
Por fim, o mal não é definitivo. O cristianismo nunca nega o horror do mal, mas também não o considera como tendo qualquer poder maior ou igual ao de Deus. A palavra final da Escritura sobre o mal é triunfo. A criação geme enquanto aguarda por sua redenção final, mas esse gemido não é em vão. Sobre toda a criação está o Cristo ressurreto —Christus Victor — que triunfou sobre os poderes do mal e fará novas todas as coisas.
Tradução: Alan Cristie
Nenhum comentário:
Postar um comentário